Para muitos estudantes, o caminho para escola é um meme de mau gosto

Por Matheus Lima*

Mais um dia acordando cedo e torcendo para que um dia o homem invente o teletransporte. Estou cansado de pegar horas e horas de transporte público por dia e acredito que não sou o único, né? Eu cresci escutando dos meus pais como era difícil ir para a escola na época deles, um caminho geralmente longo, enfrentando diversas barreiras ー estilo aquele meme de andar a pé, pegar balsa, bicicleta, ônibus e em época de chuva colocar sacolas nos pés. Acredito eu que, hoje, eles pensam que está tudo melhor, mas seria o “nosso” tempo uma mudança tão grande assim?

No meu Ensino Fundamental, incentivado pelos meus professores e familiares, eu busquei estudar nas melhores escolas da região ou da minha cidade, não importava se até lá eu demoraria uma hora no transporte público para chegar. Era preciso ter acesso a uma educação que não chegava às escolas da minha comunidade. No Ensino Médio, fui estudar na escola que eu queria, que estava no top 10 de melhores escolas da capital paulistana, só não contava com o fato de que, dali pra frente, teria que conviver com três horas de transporte público diariamente. 

Indo de um canto para outro dentro do ônibus, decidi retratar as histórias dos meus amigos que de ‘busão’. “Eu passo 5 horas por dia no ônibus, daria tempo de ir até o Rio de Janeiro todo dia”, brinca Flávia Agostinho, 18 anos. Ela mora em Guarulhos e estuda em uma escola técnica na zona leste da capital paulista no período matutino. Em seguida, já corre para outra escola técnica na zona norte da capital para estudar fotografia. “Com esse tempo, eu poderia estagiar”, lamenta de algo que gostaria de fazer, mas não tem tempo.

Foto da Flávia Agostinho (@agostinho.fla), uma das personagens entrevistadas

“Futuramente, eu quero ir morar mais próximo do centro”, descreve Ana Cláudia, 18 anos, estudante de Design de Interiores. Ela  fala com decepção que, morando onde ela vive hoje, não terá tantas oportunidades de emprego. Das 10 melhores escolas públicas de Guarulhos ranqueadas pelo Ideb (Índice Nacional da Educação Básica) nenhuma está localizada na minha região, deixando mais claro ainda, por que eu e muitos dos meus colegas precisamos enfrentar horas por dia em meios coletivos para alcançar o que queremos.

“Gostaria que melhorassem os transportes da minha região, principalmente a integração entre linhas e onibus”, relata Flávia. “O que tem salva um pouco meus dias é o trem expresso, que vai muito mais rápido para o centro” descreve Ana.

A realidade é que vamos precisar continuar enfrentando trens e ônibus lotados por mais algum tempo, mas espero que, algum dia, consigamos ter transporte coletivos mais estruturados e rápidos. E vivo pela utopia de que um dia a escola do meu bairro, e de todos os bairros, terá a mesma qualidade de ensino. Sonho que um dia eu vou contar para os meus filhos os perrengues pelos quais a gente passava para buscar educação de qualidade e eles vão pensar que é meme.

*Matheus Lima, 17 anos, é estudante estudante da Escola Estadual Prof. Maria Angélica Soave, em Guarulhos, e idealizador da Campanha “CartãoTop pra Quem?” que busca solução dos problemas envolvendo a implementação do novo cartão de ônibus na região metropolitana de SP, em parceria com o Geração que Move.

Crises de ansiedade mostram urgência de cuidado nas escolas

A ansiedade é uma condição de saúde mental comum que afeta milhões de jovens em todo o mundo. Na escola em que estudo as crises de ansiedade são moderadas, geralmente acontecem antes de uma prova ou atividade muito importante que estudantes como eu tem uma preocupação excessiva. Eles manifestam os sintomas da ansiedade como a respiração desregulada, mãos tremendo e o coração acelerado, trazendo grande sensação de angústia nervosismo e insegurança. 

Quando presenciei uma crise de ansiedade na escola pela primeira vez, fiquei um pouco assustada. Aconteceu antes de uma prova com um colega que se sentiu extremamente nervoso. Eu fiquei preocupada pois não sabia como ajudá-lo. Como apenas eu percebi o que estava acontecendo, tentei usar do pouco conhecimento que eu tinha para ajudar meu colega, mas como isso nunca tinha de fato acontecido comigo e por eu não ter grande conhecimento sobre, não soube como reagir. O professor não notou o que estava acontecendo e tive, como última opção, falar com alguma colega. Expliquei o que estava havendo e ela também tentou o ajudar, mas nada o acalmava; só depois de muito tempo que felizmente ele conseguiu tranquilizar-se.

Normalmente quando os professores percebem que um aluno está tendo uma crise eles não sabem lidar com a situação, consequentemente os alunos mesmo sem saberem, ajudam uns aos outros. Por causa de situações como essa, as escolas deveriam explorar mais temas como esses, mas infelizmente não é um assunto abordado na minha escola. Não aprendemos a cuidar da nossa saúde mental como deveriamos ou a até mesmo como lidar com as consequências da falta dela.

Conforme consta na lei 13.935, de 2019, as escolas devem ter equipes focadas na saúde mental. “Art. 1° – As redes públicas de educação básica contarão com serviços de psicologia e de serviço social para atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação, por meio de equipes multiprofissionais”. Elas serviriam para promover melhorias de aprendizagem e detectar possíveis falhas no processo. Além disso, fornecer suporte essencial para programas de prevenção e desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Os alunos também podem ser ajudados ao serem ensinados a lidar com o estresse na escola ou enquanto estudam em casa.

Embora não seja possível as escolas empregarem todos os psicólogos de que precisariam; a psicologia tem muitas aplicações na educação que despertam interesse na área tanto para alunos quanto para professores. Os alunos que aproveitam os serviços de aconselhamento na escola têm maior probabilidade de sucesso acadêmico e emocional.

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Quero na Escola

Um aluno é mais que um ‘futuro profissional’

Por Nájla Karen*

Você já se sentiu pressionado(a/e), dentro da escola, a decidir qual carreira irá seguir? Dentre as diversas incertezas que nós lidamos na adolescência, a decisão do que vamos fazer por possivelmente o resto da vida é um peso que carregamos e somos pressionados, mesmo que indiretamente, a decidir o quanto antes. Em escolas públicas é comum haver o incentivo aos estudos com a justificativa de conquistar uma “boa” carreira futuramente, mas além de futuros profissionais, o que somos?

Desde os primeiros anos do ensino fundamental II meus professores mencionaram a possibilidade de estudar em escolas técnicas, como Institutos Federais e Etecs, no intuito de começar a consolidação de um currículo desde cedo. Já na Etec, segui ouvindo, desde o primeiro dia de aula, o quão vantajosa a minha formação técnica seria para o meu futuro, já que me ajudaria a conquistar as melhores oportunidades no mercado de trabalho.

Quando pesquiso sobre as possibilidades disponíveis para o meu futuro após o ensino médio, quase todas estão ligadas a uma carreira profissional. Quando não me é indicado fazer outro curso técnico, é indicado ingressar no ensino superior. Quando nenhuma dessas opções se aplicam, devo ingressar no mercado de trabalho ou estudar para prestar concursos públicos. A única opção que foge desse padrão é fazer um intercâmbio, o que é uma realidade distante da maioria dos alunos de escola pública, que não têm condições de pagar por algo do tipo.

Desde a infância, somos preparados para sermos bons profissionais, e com a implementação do novo ensino médio, acredito que seremos levados cada vez mais a nos desenvolvermos profissionalmente, enquanto nos falta incentivo para desenvolver habilidades pessoais e socioemocionais. Se alunos fossem preparados para serem pessoas equilibradas emocionalmente e conscientes, consequentemente seriam melhores profissionais, e por isso acredito que as escolas deveriam se preocupar mais em explorar as capacidades dos alunos para além de um currículo profissional.

Eu, por exemplo, me engajo em atividades que vão além da sala de aula e saem da bolha de me preparar para o mercado de trabalho – como dança e trabalho voluntário em um clube Girl Up e no Globalizando -, me levando a interagir com a comunidade em que estou inserida. Nessas atividades, tenho desenvolvido habilidades socioemocionais úteis para a vida e para o mercado ao mesmo tempo, como comunicação, reconhecimento de vulnerabilidades e liderança. Apesar de eu ter me engajado nessas atividades por conta própria, membros do corpo docente e direção da minha escola costumam achar interessante e enriquecedor quando conhecem mais a respeito. Assim, ainda acredito na possibilidade de um dia as escolas verem mais do que força de trabalho nos alunos, mas potenciais que vão além da sala de aula e do escritório.

Com isso, deixo aqui o meu incentivo à você, aluno(a/e), para explorar as suas habilidades e gostos pessoais. Nós somos muito mais do que futuros profissionais, somos o futuro. Se permita descobrir e desenvolver habilidades que nem imaginava que teria, explorar seus gostos, se envolver com o local em que está inserido(a/e) e viver uma vida além da vida profissional e acadêmica. Aceite desafios e lidere a mudança, para que um dia o incentivo ao desenvolvimento pessoal seja algo normal, não um caso isolado.

* Nájla Karen é estudante da Etec Professor Camargo Aranha, em São Paulo, e tem 17 anos

Faltam oportunidades extracurriculares nas Escolas Públicas

por Matheus Lima*

Você já sentiu como se a escola não te preparasse para o mundo? Sendo estudante de escola pública durante toda minha vida, eu pude sentir como o currículo básico é exaustivo, mas também como as atividades extracurriculares podem ser a “válvula de escape” dentro do ambiente escolar para colocar o aluno como protagonista da sua educação. 

Eu amo fazer cálculos em matemática, redações em português, ou pensar sobre a sociedade em sociologia, mas eu sempre senti que precisava de mais, precisava ir além das quatro paredes da sala de aula para conhecer as minhas paixões e descobrir novas habilidades. O sistema em que o professor fala e você escuta, não colava mais pra mim – e foi na prática que eu percebi as vantagens de ir além desse modelo.

As ações realizadas fora da carga horária escolar obrigatória e padrão servem para que o estudante descubra suas aptidões e aprenda novas técnicas e competências. Podem ser de qualquer área, da prática de esportes, oportunidades de serviços comunitários ou ensino de línguas estrangeiras.

Em 2018,  quando estava no 8° ano, meus amigos e eu decidimos criar um projeto de mentoria para ajudar nossos colegas com defasagem na matemática básica (somos nós na foto deste texto). Nós ficávamos depois do meu período na escola e dávamos aulas para meus colegas. Assim pude descobrir minha paixão pela educação. Mas essa experiência não é a realidade de todas as escolas públicas: atividades fora dos horários escolares ainda são mal vistas e têm pouco incentivo

Atualmente, na sociedade brasileira temos o crescimento de jovens que levam a pecha de “nem nem” (termo usado para caracterizar jovens que não estão matriculados em instituições de ensino e nem trabalhando), que alguns especialistas chamam de “sem sem” pra chamar a atenção para a falta de algo relevante para esta população. De acordo com a Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), houve um aumento de 35,9% nesta população no Brasil impulsionado pela falta de oportunidades e espaços para os jovens se desenvolverem e criarem suas próprias narrativas. Dentro das escolas públicas podemos ver isso a partir da falta de investimentos e infraestruturas nas instituições para as práticas dessas atividades, tornando a educação cada vez mais rígida, menos significativa e  sem espaço de trocas para os estudantes.

A prática de atividades extracurriculares tem que ser incentivada pois surge como um espaço de aprendizagem inovador. Nós jovens podemos ir além do que está na Base Nacional Comum Curricular – ou o que quer que esteja receitado exatamente. Outros ares podem ser um alívio na rotina de cobranças, uma forma de autoconhecimento, contato com novas técnicas e conhecimentos que podem agregar na experiência pessoal e profissional. Com a implementação de atividades que fugissem da casinha, os estudantes poderiam realmente sentir que a escola prepara os para o mundo.

*Matheus Lima é estudante estudante da Escola Estadual Prof. Maria Angélica Soave, em Guarulhos e tem 17 anos

Com a palavra, os estudantes

Para melhorar a escola pública, primeiro é preciso conhecê-la. 

Os estudantes são os protagonistas da escola. 

Estas duas frases sempre iluminam os projetos da Associação Quero na Escola. Antes de tudo que fazemos na educação, estabelecemos como ponto de partida escutar estudantes.  Mas e se eles mesmos pautassem os assuntos dos quais gostariam de falar sobre a escola? Resolvemos então abrir um novo espaço, no blog do Quero na Escola para nossos “estudantes autores”, que terão apoio de duas jornalistas cofundadoras do programa para produzir seus textos: Luciana Alvarez e Cinthia Rodrigues.

Os estudantes precisam ser ouvidos por todos. Não só os professores e diretores, mas toda a sociedade deveria saber o que os principais interessados na educação vivem, sentem e pensam na escola. Afinal, a educação é responsabilidade de todos.

O novo projeto está aberto a novos colaboradores que sejam estudantes de escolas públicas de qualquer parte do Brasil e queiram participar desta rede. Três estudantes aceitaram nosso convite para começar a partir deste semestre. Conheça:

“Olá, eu sou Aysla Vitória, tenho 13 anos, sou de Parelhas, Rio Grande do Norte. Atualmente estudo na Escola Estadual Barão do Rio Branco e estou cursando o 8° ano do Ensino Fundamental. Gosto de ler, escrever e aprender coisas novas, principalmente, outras línguas. Estou muito contente em participar desse projeto, onde poderei compartilhar temas dentro da escola pública com outros estudantes.”

“Oi gente, eu sou o Matheus Lima, tenho 17 anos, sou de Guarulhos, Grande São Paulo e atualmente sou estudante do Ensino Médio. Sou apaixonado por tecnologia e educação, e por isso, estou muito animado em compartilhar um pouco da minha trajetória, e sobre os temas que vejo e converso com meus colegas no dia a dia em nossa escola.”

“Nájla Karen, 17 anos, de São Paulo, capital. Estou no terceiro ano do ensino médio integrado a um curso técnico em Contabilidade em Etec. Sempre repito algo que o meu pai fala sobre mim quando vou me apresentar: sou ligada nos 220v. Amo aprender coisas novas e isso me leva a participar de diversos projetos/atividades aleatórias – como Taekwondo e trabalho voluntário – desde pequena. Foi assim que vim parar no blog e estou ansiosa para o que vem pela frente!”

Se você também quer ser nosso “correspondente” da sua escola, venha ser um de nossos autores! Mande um email para central@queronaescola.com.br ou nos procure nas redes sociais.

Aysla, Matheus e Nájla, obrigada por aceitarem o convite de se tornarem autores no blog do Quero na Escola! Vamos aprender muito juntos.